BUSCAS DA PJ NA CÂMARA MUNICIPAL DE GONDOMAR
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Gostaria de deixar claro nesta análise que não sou de opinião que os assessores ganham eleições, nem que as sofisticadas máquinas de campanha fabricam votos. Essa ideia, que agora os partidos políticos parecem ter comprado levianamente, apenas lhes pode trazer desilusões, como as que Luís Filipe Menezes comprou. A mediatização artificial de figuras públicas, com a sua exposição permanente, a propósito da mulher, do gato ou do carro, quando não existir motivo político válido, acaba, invariavelmente, mal.
Os portugueses já deram provas suficientes de se estarem nas tintas para a vida privada das pessoas, sobretudo, quando o que esperam dessas pessoas é que sirvam o bem público. Foi assim com Sá Carneiro, com Santana Lopes, com José Sócrates… Já era tempo das máquinas de imagem, que como por encanto prometem votos, deixarem de criar nos seus clientes a expectativa de que, por esse caminho, ganharão votos.
Isto não significa que considere que a comunicação seja despiciente. Bem pelo contrário. Aliás, com as regras, leis, directivas comunitárias, planos, regulamentos e sistemas de controlo e fiscalização que hoje existem, tanto ao nível governamental como autárquico, pouco mais fazem os políticos do que comunicar.
Só que, quem faz essa diferença perante o eleitorado tem que ser o próprio político, a sua sensibilidade e a sua capacidade em comunicar com os eleitores. Não somos por isso nós, os assessores, os homens do marketing ou da comunicação que construímos vitórias e distorcemos opiniões. A nós cabe-nos a modesta tarefa de entender a mensagem e ajudar a compatibilizá-la com a agenda mediática, por vezes a compactá-la, às vezes a endereçá-la, mas sem discuti-la excessivamente e, sobretudo, sem procurar liderá-la.
Cabe-nos, também, e essa será uma das nossas principais tarefas, colocarmo-nos na pele dos que escrevem e dos que votam, tentando antecipar, no sossego do gabinete, antes do discurso ou da conferência de imprensa, aquilo que será a reacção da opinião pública.
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Num belo dia de 2006, como nos outros, levantei-me com tranquilidade. A tranquilidade possível de um assessor do Major, já que não era raro ligarem-me da TSF, da Antena 1, da Rádio Renascença ou de uma qualquer televisão às seis ou sete da manhã, pedindo acesso ao Major, para comentar esta ou aquela manchete. Cheguei, por vezes, a explicar que não dormia com o Major. Apenas era o seu assessor e, por isso, às seis da manhã, seria difícil que lhes pudesse dar uma resposta.
O mimetismo é, aliás, um dos piores vícios da comunicação social portuguesa, que ainda não absorveu bem aquela ideia universal transmitida pelos livros do jornalismo, de que a rádio anuncia, a televisão mostra e o jornal explica. Em Portugal não é assim. É mais: o jornal anuncia, a rádio explica e a televisão copia. Mas… adiante. Bem sei que a culpa desta inversão não se esgota nos próprios media. Nós próprios, os assessores, as fontes, e também os políticos, somos solidariamente responsáveis por este caos informativo e perverso.
Mas, nessa manhã, isso nem aconteceu. Não acordei com o telefone, mas com o beijo da minha mulher e as meiguices do meu filho mais novo. Cerca das nove horas, ia já a caminho da Câmara e recebi um telefonema de uma jornalista da Agência Lusa:
– É verdade que a PJ está a fazer buscas na Câmara de Gondomar?
Naquele momento não lhe soube responder. Disse-lhe isso mesmo, prometendo ligar-lhe mais tarde e pedindo-lhe que aguentasse a informação mais um pouco. Ao chegar ao meu gabinete, verifiquei que, além da minha assistente, havia lá mais gente que não conhecia bem. Eram, efectivamente, nove inspectores da PJ. Os inspectores da PJ reconhecem-se bem, porque vestem-se de uma forma muito discreta, mas segundo os padrões de discrição de há 30 anos, o que hoje os torna facilmente identificáveis. Os blusões mal lavados, as calças de ganga coçadas, os sapatos fora de moda, as t-shirts pardas e as camisas aos quadrados, quando combinadas com a barba mal feita, dão-nos pistas fortes sobre a sua profissão… sobretudo se estiverem no nosso gabinete a revistar tudo. São ainda mais fáceis de identificar se um jornalista da Lusa nos avisar das buscas, antes mesmo de termos conhecimento delas…
Os computadores do Gabinete de Apoio ao Presidente e do gabinete do vice-presidente estavam bloqueados e havia inúmeros mandados de busca para cumprir. Pediam processos, documentos e procuravam contratos, fazendo, logo ali, procuras rápidas nos computadores, através de palavras-chave como Ambrósio. Desta vez não era o futebol que os motivava, mas vários processos camarários que levariam Valentim Loureiro e o seu vice-presidente a serem acusados pelo Ministério Público no decorrer do ano de 2008.
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Obviamente, a secretária já tinha chamado Valentim Loureiro, que meia hora depois chegou à Câmara.
A sua postura foi de grande tranquilidade e até de humor. Quando viu que procuravam algo nos computadores soltou uma gargalhada e, agarrando amigavelmente pelo braço de um deles, deixou claro:
– Meus amigos, eu sei o que vocês procuram, mas fiquem desde já sabendo que não existe disso aqui em Gondomar. Nunca existiu. Mas, mesmo que tivesse existido, já tínhamos deitado fora, não acham?
Esta afirmação foi seguida por um grito na direcção do meu gabinete, mesmo ali ao lado:
– NUNO!
Aí vou eu para junto do Major.
Quando cheguei junto dele, estava de braço dado com um inspector que ia afirmando:
– Ó Major, nós estamos a fazer o nosso serviço, compreenda.
Valentim Loureiro compreendia e ia acompanhando as suas palavras com uma cotovelada de vez em quando, como sinal de apreço e de simpatia pelo inspector:
– Eu sei, eu sei! Eu é que devia ser o vosso chefe, porque assim fariam mais o que é preciso fazer neste País e deixavam de perder tempo aqui com isto. Aqui não há nada do que vocês querem. Mas procurem à vontade, façam o vosso trabalho.
A boa disposição deu então lugar a uma cara mais séria quando se virou para mim. Na presença de três ou quatro inspectores que ali estavam, perguntou-me, fazendo questão que ouvissem:
– Nuno, já te ligou algum jornalista sobre isto?
Eu disse-lhe a verdade, como sempre, que logo pela manhã, já se sabia. Primeiro a Agência Lusa, depois a Antena 1 e a Rádio Renascença queriam a confirmação da notícia e um comentário. Acto contínuo, ordenou-me:
– Então chama aí os gajos que eu vou dar uma conferência de imprensa. São 10 horas? Falo às 11.
Não consigo descrever a expressão dos inspectores da PJ, que, nesse instante, deixaram a postura simpática que tinham tido até ali. Um deles ainda apelou:
– Não faça isso, ó Major!
– Querem show-off, vão tê-lo – reforçava Valentim Loureiro, soltando uma gargalhada que ecoou por ali.
Por muitas buscas que tenham feito nas suas vidas, terá sido a primeira vez que o arguido, alvo das suspeitas, perante a presença de nove inspectores da PJ, tenha ele próprio chamado rádios, televisões e jornais.
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– Sim, eles queriam dar a notícia à maneira deles, assim dou-a à minha maneira. As televisões vêm cá?
Disse-lhe que ainda estava a pensar como iria fazer, mas se queria mesmo televisões, o ideal seria fazer às 13 horas e não às 11 e eu tentaria garantir, entretanto, que SIC, RTP e TVI fizessem directos. Assim, evita-se o crivo do repórter.
– O Major fala em directo, eles levam com tudo o que disser – expliquei-lhe. Valentim Loureiro concordou que fosse em directo e a abrir os jornais televisivos das 13. Falei com as redacções das televisões e todas acordaram o directo. A notícia das buscas seria dada à maneira do Major, mais do que isso, pelo próprio Major e não por fonte próxima da PJ, como normalmente.
O insólito não terminaria aqui. Valentim Loureiro mandou depois resumir todos os mandados que a polícia trazia, explicando sumariamente cada um dos processos, para distribuir à imprensa! Assim fizemos.
A cerca de 40 minutos das 13 horas, lembrei-me de um pormenor importante. Normalmente, as conferências de imprensa na Câmara de Gondomar são realizadas salão nobre. Ora, os inspectores, depois de recolherem pilhas de dossiês e meia dúzia de discos duros de computadores, instalaram-se no salão nobre para fazer cópias e outras diligências, como eles chamam. Logo afirmaram que precisariam de toda a tarde naquela sala, a maior que existe na Câmara de Gondomar.
Assim sendo, fui ao gabinete do Major tentando encontrar uma solução alternativa ao local da conferência de imprensa. Mas, o Major voltou a surpreender-me:
– As conferências de imprensa são no salão nobre, e esta também vai ser
A minha preocupação adensava-se…
– Mas estão lá os inspectores da PJ! – Lembrei-lhe.
Na maior das calmas, o Major descansou-me:
– Deixa comigo, eu trato disso.
Faltavam cerca de 20 minutos para as 13 horas, e tinha já à porta os carros de exterior das televisões e alguns fotógrafos, prontos para montar câmaras e passar cabos. Desci e expliquei-lhes que tinham que aguardar um pouco, pois o local onde ia ser a conferência de imprensa estava cheio de inspectores da PJ. Ninguém acreditou em mim. Acharam que era só mais um dos meus acessos de bom humor, que sempre procuro ter nos momentos mais difíceis…
Subi, de novo, ao gabinete do Major.
– Os gajos já estão aí? As televisões vieram, pá? – Perguntou Valentim Loureiro já com a adrenalina que o cheiro dos microfones lhe traz.
– Estão, mas continuamos com aquele problema do local…
Foi nessa altura que Valentim me disse quase em segredo:
– Anda comigo, vamos tratar disso!
Através de uma porta existente no seu gabinete, que dá acesso directo ao salão nobre, entrámos.
Sorridente, perante os inspectores estupefactos, avisou com a sua voz de não deixar dúvidas a ninguém:
– Meus amigos, peço desculpa por interromper o vosso trabalho, mas eu vou dar aqui uma conferência de imprensa, daqui a pouco. Não demora. São só uns minutos.
Havia papéis e material informático espalhado por cima das mesas e das cadeiras e mesmo no chão. Olharam uns para os outros sem saber muito bem qual o procedimento a tomar. Certamente, não está nos manuais da polícia qualquer procedimento a seguir quando o arguido quer dar uma conferência de imprensa durante as buscas.
Um deles, com cara e bigode de chefe e a aparentar evidente falta de paciência, disse:
– Nós tiramos isto daqui…
– Não é preciso. Até podem continuar a trabalhar. Eu ponho-me aqui à frente, falo de pé e vocês continuam aí atrás sentados a trabalhar. Isso é que as televisões gostam. Dá uma imagem porreira, até para vocês, aí a trabalhar.
Os inspectores começaram a empacotar as coisas em silêncio e eu mandei os técnicos de imagem e som entrar para montar as câmaras e os microfones.
Seguiram-se alguns minutos de algum surrealismo, com inspectores da PJ a saírem, carregados de material, e jornalistas a entrarem, carregados de microfones e câmaras… Pedi para não recolherem imagens do show-off e que se guardassem para a conferência de imprensa, até porque, nessa altura, os polícias mostravam-se claramente incomodados e nervosos. Os jornalistas respeitaram o meu pedido.
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Aos jornalistas, o Major explicou que se tratavam, ainda, de alguns processos correlacionados com o Apito Dourado, ou seja, assuntos apanhados na rede lançada pela PJ quando investigou os assuntos do futebol. Valentim Loureiro falou também em show-off da PJ, lembrando que os inspectores podiam ter, discretamente, pedido os processos em causa e revelou ter falado telefonicamente, minutos antes, com o sub-director da PJ do Porto, dizendo-lhe isso mesmo e manifestando o seu desagrado pelos métodos alarmistas da polícia.
Ou seja, o Major, perante a adversidade, deu uma pirueta, saltou para cima do palco, liderou a comunicação, reconstruiu a notícia, ainda antes dela estar escrita.
Não conheço mais ninguém com idêntica capacidade e que o faça com tanta habilidade. E tenho a certeza que os inspectores da PJ que ali estiveram, cumprindo zelosamente a sua função, se pudessem escrever um livro, também contariam este episódio.
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Há 10 anos