Méritos, Truques e Habilidades Populistas

Os três anos mais conturbados da vida do autarca de Gondomar, contados em 200 páginas pelo seu ex-assessor de imprensa. Uma reflexão sobre o populismo e sobre o estado da política portuguesa... um verdadeiro manual sobre como ganhar eleições em Portugal

domingo, 19 de outubro de 2008

Queixa na ERC contra o provedor da RTP (continuação)

Este é o terceiro e último post contendo excertos do meu livro, a propósito da célebre entrevista de Valentim Loureiro à RTP. Uma entrevista que culminaria numa queixa à ERC e que teria da entidade reguladora uma resposta surrealista. Aliás, com esta resolução, a ERC atribui a um homem (Paquete de Oliveira) um direito que até ali só o Presidente da República tinha, o de ir à RTP falar o que quer sem ninguém o questionar nem poder ser escurtinado por ninguém: nem pela direcção da RTP nem pela própria ERC. Se o Professor Cavaco Silva está preocupado com o Estatuto Regional dos Açores, penso que deveria também estar preocupado com o Estatuto do Provedor do Telespectador da RTP... ou nem tanto com o estatuto, mas mais com a forma como a ERC o lê! Afinal, há alguém em Portugal com tanto poder em antena como ele.

Leia, a seguir, alguns excertos do livro "A Varinha Mágica de Valentim Loureiro":

(...)
Nem o interesse demonstrado por mais de um milhão de portugueses na entrevista que Valentim Loureiro deu a Judite de Sousa parece ter convencido o provedor do telespectador da RTP. Nove dias depois da entrevista, a 31 de Março, Paquete de Oliveira voltou a atacar, conforme a premonição do jornal Tal & Qual.
Fazendo uso do tempo de antena que a Lei lhe confere, ao atribuir-lhe um programa em horário nobre na RTP, com o objectivo de responder às queixas e questões dos telespectadores, o provedor tentou humilhar o Major. Fez, para isso, uma emissão de A Voz do Cidadão dirigida contra Valentim Loureiro, procurando demonstrar que a RTP não lhe deveria ter dado palco com a Grande Entrevista.

(...)
Das palavras do próprio provedor durante esse programa, cito as seguintes afirmações:
O gabinete do provedor recebeu muitos protestos pelo facto da RTP ter transmitido, na passada semana, uma grande entrevista com Valentim Loureiro. Indignavam-se - era o termo - conceder essa oportunidade a um cidadão, neste momento, acusado de vários crimes. Achavam grave a RTP contribuir para satisfazer o desejo expresso por Valentim Loureiro de ser julgado através da televisão. Vamos dar atenção a este caso.
Mais adiante disse mesmo:
Parece estarmos perante um caso em que o interesse jornalístico choca com o princípio de igualdade de tratamento que está assegurado a todo e qualquer cidadão. O que está causa nesta entrevista é a situação de privilegiar pessoas, porventura, pela sua notoriedade, ou a pedido. Esta entrevista terá servido Valentim Loureiro. Não me parece ter servido a cidadania.
Ignorando os seus deveres legais e os preceitos a que se obriga o provedor do telespectador nos seus próprios estatutos, Paquete de Oliveira e o seu gabinete foram ainda mais longe, não procurando na direcção da RTP qualquer reacção ou explicação, limitando-se a transmitir queixas. Por outro lado, não ouviu os visados, nomeadamente o Major Valentim Loureiro, a quem deveria ter sido dada a possibilidade de se manifestar ou, no mínimo, alguém por ele, explicando a sua posição. Pior ainda, a jornalista Judite de Sousa também não foi ouvida. Judite de Sousa viria, aliás, a apresentar queixa junto do provedor, por não lhe ter sido dada essa possibilidade. No seu relatório anual, Paquete de Oliveira faz referência a essa queixa apresentada pela jornalista, mas não transcreve a sua resposta nem explica o porquê dessa sua actuação parcial.

O provedor não cumpriu, portanto, a sua obrigação e abusou simplesmente do tempo de antena de que dispõe. Um direito, contudo, muito especial e que a Lei lhe atribui com fins muito específicos, e cujo único objectivo deverá ser o de esclarecer o telespectador e procurar junto dos visados respostas. No final, poderá, então, dar o seu parecer.
Mas… Paquete de Oliveira foi ainda mais longe. Colocando a cereja no cimo do bolo, iniciou o seu programa com imagens de Valentim Loureiro, vinte anos antes, num talk-show da RTP, cantando o fado. Juntou ainda imagens de Valentim Loureiro a entrar no Tribunal de Gondomar, para completar o quadro. Estava, por isso, totalmente cumprida a premonição do Tal & Qual.
O provedor estava a actuar. Muito para além do que a Lei lhe confere, é certo, mas estava a actuar.

(...)
Estudei a Lei e fiquei a saber que diz textualmente o seguinte:
O provedor do ouvinte e provedor do telespectador devem ouvir o director de informação ou o director de programação, consoante a matéria em apreço, e as pessoas alvo de queixas ou sugestões, previamente à adopção de pareceres, procedendo à divulgação das respectivas opiniões.
Ora, o provedor não apenas não fez nada disso, como ainda usou o tempo de antena que a Lei lhe confere para humilhar um cidadão, dando a sua opinião sobre o assunto e não consultando ninguém. Pior do que isso, o provedor usou abusivamente o arquivo da RTP e esqueceu passagens da própria entrevista, que desmontava a sua tese. Durante a entrevista a Judite de Sousa, Valentim Loureiro desmentiu ter feito a afirmação de que queria ser julgado
na TV, mas o provedor baseou toda a sua teoria no pressuposto contrário.

(...)
Entrei, então, em contacto com a chefe de gabinete do provedor, a jornalista Fernanda Mestrinho. Tratando-se de uma jornalista, julguei que iria receber da sua parte alguma compreensão e que me ajudasse a explicar ao Major o que tinha passado pela cabeça do provedor naquele dia. Sobretudo, procurava que o espírito inventivo do seu gabinete encontrasse uma forma de pedir desculpas pela forma como o assunto tinha sido abordado no programa. No entanto, falar com Fernanda Mestrinho foi a mesma coisa que falar com um burocrata de um país da América do Sul. O resultado foi nulo. Para a chefe de gabinete de Paquete de Oliveira, ele faz o que quer e ponto final… e com o seu apoio, claro. Fiquei, por isso, com a sensação de estar a tentar dialogar com o chefe da casa civil de Hugo Chavez e desliguei o telefone, procurando outras soluções.
Propus então a Valentim Loureiro fazer uma queixa contra o programa dirigida à E.R.C. - Entidade Reguladora da Comunicação Social, tanto mais que a direcção da RTP não tem, sobre este programa específico, qualquer poder ou responsabilidade. A própria RTP era, aliás, criticada pelo provedor e a dignidade profissional de Judite de Sousa não ficava muito bem na fotografia
traçada por Paquete de Oliveira.
Fiz questão de assinar eu próprio a queixa.
A E.R.C. viria a deliberar sobre o assunto a 31 de Maio de 2007. Mas… deliberava que… não iria deliberar.
Numa resolução que mereceu voto favorável de apenas três dos seus cinco membros, a E.R.C. deliberou não se considerar competente para conhecer a queixa, já que a lei que estabelece o estatuto do provedor não confere àquela entidade a supervisão do provedor do telespectador, justificando com o facto do seu programa não estar sob a alçada da direcção da RTP. Mais adiante, esclarece que o queixoso poderia ter recorrido à figura do direito de resposta, dizendo
que esse é um direito constitucional.
Ora, pergunto eu: e se o provedor e a sua chefe de gabinete se recusassem a publicar o direito de resposta? Cabe à E.R.C. fazer cumprir esse direito! Numa penada, a E.R.C. sacudia a água do capote, considerando que o programa do provedor não é comunicação social, sugerindo, de seguida, que queixoso usasse um preceito a que estão obrigados os órgãos de comunicação social… e que ela própria (E.R.C.) tem a obrigação de fazer cumprir. Esta E.R.C., que se obriga a assistir às arbitrariedade e violações do senhor provedor, é a mesma que se acha no direito de supervisionar e multar boletins municipais e sites das câmaras municipais, obrigando-as a preceitos destinados a órgãos de comunicação social.
Mesmo com bandidos e com Hugo Chavez a presidente, ponderei, por aqueles dias, emigrar para a Venezuela.

3 comentários:

Anónimo disse...

sintomático... se fosse o Professor Marcelo Rebelo de Sousa até o Pápa tinham chamado!

Anónimo disse...

É o país que temos. Uns são filhos outros enteados... e, depois, há os senhores!

Anónimo disse...

Comprei o livro desconfiado. Mas estou surpreendido com o seu conteúdo. A classe política deve estar com as orelhas a arder. Parabéns!
João Alexandrino (Cascais)