Méritos, Truques e Habilidades Populistas

Os três anos mais conturbados da vida do autarca de Gondomar, contados em 200 páginas pelo seu ex-assessor de imprensa. Uma reflexão sobre o populismo e sobre o estado da política portuguesa... um verdadeiro manual sobre como ganhar eleições em Portugal

sábado, 11 de outubro de 2008

PRIMEIRA PRÉ-PUBLICAÇÃO



Tendo em conta que os jornais começaram hoje a antecipar alguns pormenores do livro que na próxima terça-feira é lançado, o blog oficial vai hoje fazer a primeira pré-publicação de parte de um dos episódios contidos na obra:




(...)
Em Gondomar todos os que têm mais de 62 anos são considerados pela câmara: cidadãos idade mais. Quer isto dizer que têm direito a um cartão emitido pela autarquia que lhes dá vários privilégios. O primeiro desses privilégios é uma viagem de avião a Lisboa. Para muitos deles, a primeira e última vez que viajam de avião e, não raras vezes, a primeira e última em que vão à capital.
(….)
Além da viagem de avião a que todos os portadores do cartão têm direito, aquele instrumento abre-lhes a porta a participarem em inúmeras acções sócio-culturais promovidas pela Câmara e, no Verão, é costume haver passeios e almoços com estes cidadãos. 2005 não foi excepção. O problema é que, em Outubro, havia eleições…
Seis ou sete mil idosos inscreveram-se no programa desse Verão, denominado Gondomar Douro Acima. Em Setembro, zarparam, em grupos de poucas centenas, num paquete que os levava numa bonita viagem fluvial.
O programa incluía sempre um almoço a bordo, perto da Barragem de Crestuma-Lever, a que se juntava o presidente e que incluía um discurso muito especial.
(…)
Comido o tradicional lombo de porco assado com batatas (não sei quantas vezes comemos lombo de porco assado com batatas naquelas semanas), o Major discursou, como habitualmente.
O seu discurso dividia-se em três partes, obedecendo a uma rigorosa estrutura retórica. Era curioso vê-lo discursar todos os dias para um novo grupo de idosos. Sempre com o mesmo timbre, expressões e estrutura, o texto ia evoluindo e sendo aperfeiçoado a cada dia. Mesmo os tiques, a entoação e a sua postura iam merecendo melhoramentos.
Ao almoço, Valentim parecia sempre mastigar muito bem cada detalhe do discurso que iria fazer a seguir. O que provocara, na véspera, maiores aplausos e maior emoção, Valentim mantinha e enfatizava no discurso do dia. O que não resultava tão bem, sofria um upgrade, um novo registo ou era mesmo retirado do texto que o Major mantinha na cabeça.
Mesmo o momento de maior emoção, em que os lábios do presidente tremiam e os olhos se carregavam de água era repetido, aperfeiçoado e melhorado de dia para dia, parecendo cada vez mais autêntico e genuíno. Por vezes, havia pequenas adaptações retóricas tendo em conta a freguesia a que pertenciam os idosos daquele dia.
No começo do discurso, o Major lembrava a sua condição de presidente de câmara, recusando qualquer confusão com o candidato Valentim Loureiro, e dizia algo parecido como isto:
– Vocês sabem que eu estou aqui hoje convosco, como estou todos os anos, todo o ano, onde quer que nos possamos encontrar, porque entendo que, enquanto presidente da Câmara, é minha obrigação estar ao vosso lado.
Ficava assim justificada a sua presença e afastada a confusão entre o candidato e o presidente. No entender de Valentim Loureiro, apenas por ser candidato não se deveria coibir de cumprir as tarefas de todos os anos. Algumas vezes, o Major chegava a dizer:
– Eu não tenho culpa que tenham marcado as eleições para Outubro. Não fui eu que as marquei. Nem deixaria de estar convosco só porque vai haver eleições.
Depois, passava a uma fase mais emotiva do discurso, onde se tornava no pai de filhos ou no avô de 11 netos, incluindo-se a ele próprio no grupo dos cidadãos idade mais, já que ultrapassara os 62 anos. Era frequente deixar transparecer na voz alguma emoção, quando falava em dificuldades da vida, pelas quais todos passamos, e afirmava saber bem o que era passar por problemas.
Não se esquecia nunca de usar termos como solidariedade e gratidão, agradecendo a todos o facto de terem sempre estado a seu lado, nos momentos mais difíceis.
Finalmente, o discurso, que durava uns bons 20 ou 30 minutos, terminava com uma promessa:
– Não sei se estarei neste cargo daqui a um ano, mas não tenho problemas em afirmar que, enquanto for presidente da Câmara, a nossa política de apoio social não vai mudar.
Esperava pelas palmas, normalmente batidas de pé, e rematava:
– Eu nunca vos esquecerei, nunca vos esquecerei. Vocês são espectaculares… Esta era a parte mais enfatizada por Valentim Loureiro, que subia a voz a decibéis que só ele consegue atingir num discurso político, actualmente.
A câmara da SIC registou as palavras, o estilo, os termos usados pelo Major e o jornalista Carlos Rico entrevistou-o no final. Retive as expressões do Major nessa curta entrevista, ainda a bordo do paquete, rodeado de entusiastas com mais de 62 anos:
– Há quem diga que isto é populismo. Eu acho que isto é popular. Mas, se populismo é fazermos aquilo que as pessoas esperam de nós, se populismo é dar um dia de felicidade por ano a quem nunca a tem, abrindo-lhe os horizontes do Mundo, então eu sou populista. E digo já aqui que a nossa política vai continuar a ser esta, pelo menos se eu por cá continuar. Outros farão diferente e poderão cancelar estes programas se forem eleitos. Eu, digo já que não. Esta é a minha política.
Este género de resposta do Major não era novidade para mim e era absolutamente genuína. Lembro-me de, internamente, por várias vezes, estes passeios e acções serem discutidas entre nós, nomeadamente com o vereador da educação, cultura, acção social, desporto e juventude, o inatacável Fernando Paulo. E, mesmo entre nós, Valentim Loureiro não abdicava de defender as posições que tomava publicamente.
A poucos dias das eleições, sentados na sede de campanha, Major, dois ou três vereadores, a sua filha e a sua mulher, falavam a propósito das viagens no Douro, dos voos para Lisboa ou das aulas de natação proporcionadas aos idosos. Valentim defendia sempre que o impacto que tais benesses tinham no orçamento da câmara era muito reduzido. Lembro-me mesmo de se virar para o seu vereador e questioná-lo:
– Ó doutor, diga-me lá o que é que nós fazíamos com este dinheiro? Mais uma rua? Mais uma rotunda com um repuxo? E as pessoas eram mais felizes com isso ou são mais felizes com estes programas que lhes proporcionamos?
A questão é mais profunda do que parece e fez-me muitas vezes duvidar, mas não deixei, nesse momento, de me lembrar de conversas que eu próprio tinha tido, pouco tempo antes, durante as legislativas, com amigos e familiares.
Um cunhado meu, professor universitário, afirmou um dia que iria votar em José Sócrates, então candidato a primeiro-ministro. O PSD de Santana Lopes tinha-lhe roubado os benefícios fiscais do PPR que andava a fazer. Sócrates prometia o regresso desses benefícios, enquanto Santana Lopes prometia manter a sua política.
(…)
Prometer, em campanha, devolver os benefícios fiscais aos PPR é exactamente a mesma coisa que prometer retirar do Orçamento de Estado alguns milhões de euros para dar um subsídio extraordinário a uma parte da classe média alta portuguesa em forma de devolução no IRS. Ou, dito de outra forma, proporcionar umas férias em Cuba ou na Riviera Maia aos detentores de PPR não é populismo. Mas pagar um dia de felicidade único a cidadãos cuja sociedade quer enterrar silenciosamente em Melres, nas Medas, na Lomba ou, simplesmente, na floresta de betão das grandes cidades, já é populismo.
Quanto a mim, não entendo onde está a diferença. No entanto, nos corredores da Assembleia da República, prometer benefícios fiscais em PPR é política económica, mas fazer passeios com velhinhos no Douro é política barata e populista, própria de caciques de província!
Não querendo ser fundamentalista, digo eu, ambas as políticas fazem parte de um valor inabalável da política: a hipocrisia, que num e noutro caso se aplicam com toda a propriedade. Por maior que seja a boa vontade de ver nos políticos outra prioridade que não seja a da sua própria eleição, esbarro quase sempre nessa convicção.
(…)

Excertos do episódio "GONDOMAR DOURO ACIMA E O POPULISMO", do Capítulo II do livro "A Varinha Mágica de Valentim Loureiro", de Nuno Nogueira Santos

11 comentários:

Anónimo disse...

Gostei!

Anónimo disse...

Estou ansioso para ler o resto! Onde posso comprar?
Rui Alberto, Gondomar

... disse...

O livro pode ser comprado em qualquer livraria. Vai ser lançado na terça-feira, dia 14 de Outubro, e, a partir daí, é comprar!
Aqui no blog, vou colocar um link directo para poder ser comprado online no site da PrimeBooks

Woody disse...

Quando se falam dos defeitos do Major Valentim Loureiro podemos falar de muitas coisas, nomeadamente dentro do campo da corrupção... As viagens de avião não ilustram, de todo, o populismo do Major Valentim Loureiro... São apenas um pequeno exemplo...

... disse...

O woody ainda não leu o livro... mas já acha que lá faltam coisas. Um dos assuntos que abordo no livro é o do preconceito!

Woody disse...

Não estava a comentar o livro que, obviamente, não li. Apenas comentava o excerto.
Depois de ser condenado por corrupção, depois de tomar decisões eticamente reprováveis (como manter-se à frente de uma série de cargos públicos depois de se ter tornado arguido de um processo de corrupção), depois de toda uma série de episódios que não abonam nada a favor da integridade e das boas intenções do Major acho que não podemos falar de preconceito em relação a ele... São todas estas coisas que não vou citar que nos fazem questionar as intenções por detrás das suas "ofertas" populistas. Em situações normais até seriam louváveis...
Era isto que queria dizer. Não era, de modo algum, minha intenção fazer qualquer tipo de juízos sobre um livro que não li.

Vítor Ramalho disse...

De uma maneira ou de outra o Valentim não é melhor nem pior que a esmagadora maioria dos políticos do sistema.

... disse...

Mas isso, Woody, isso dos tais crimes, não é o meu trabalho. Feliz ou infelizmente, vivemos numa sociedade com regras. Algumas são más regras. Ás vezes, essas regras são subvertidas. Mas é o que há. E nisso, dos crimes, nem eu nem o Woody pode escrever num livro. Primeiro, porque nenhum de nós sabe o suficiente sobre esse assunto, depois, porque nas sociedades ocidentais e democráticas, quando se faz uma afirmação grave sobre alguém, é suposto prová-la logo de seguida.
Em todo o caso, o meu livro não é sobre isso. O meu livro é sobre porque razão, apesar disso (dos crimes, da fama, dos problemas), Valentim Loureiro continua a ganhar. Como é que ele o consegue! Pode até ser desinteressante e defraudar que gostaria de um livro diferente, que denunciasse crimes horrendos, mas foi o que escrevi. De qualquer forma, se um dia assistir a um crime, não irei escrever um livro, mas denunciarei ao Ministério Público. É assim que deve ser.

... disse...

Concordo Victor Ramalho. Precisamente! Aliás escrevo-o no livro! E o meu livro é muito crítico em relação a TODA a classe política. Sou, até, bastante demolidor, se quiser, sobre o caminho que levamos!

Anónimo disse...

estou curioso pelo que ainda não li... nestes dias dominados pelo medo da terrível crise económica, será concerteza uma boa leitura para nos mostrar que nem tudo é o que pareçe... tu sabes bem que não. Abraço.
Ricardo

Anónimo disse...

Sabendo eu da postura do autor do livro face a muitas situações da sociedade política, económica, enfim sobre a nossa sociedade mediática, não ficarei surpreendido com o sucesso que este livro irá ter. Não se trata de um livro de confidências, de “tricas” sobre uma figura mediática como o Major, mas sim de uma reflexão sobre a permeabilidade da sociedade perante os “truques e habilidades populista”. Não poderemos esquecer, que numa sociedade democrática, são aqueles que melhor utilizam estas técnicas populistas, que são eleitos, e que governam as mais variadas instituições, principalmente no domínio autárquico.
Temos muitos exemplos no nosso panorama político e por isso este livro será uma excelente reflexão para as diferentes estratégicas de comunicação e para quem quiser ser um(a) vencedor (a) entre as massas.
Quem não quiser, sempre se pode remeter ao silêncio, e ao recato, e esperar (sentada) por melhores resultados nas sondagens!
Peter Big Wolf